sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Compartilhando Experiências de vida - Lilian Cristina Oliveira

Um caso de manifestação de preconceito

Em 2006, no meu primeiro ano de faculdade, minha classe resolveu programar um churrasco para que os alunos se conhecessem melhor e também uma forma de nos darmos “boas vindas”.
Um aluno ofereceu a casa (próxima a faculdade). Passaram uma lista aos que se interessassem mediante uma pequena contribuição.
Eu coloquei meu nome, assim como minhas novas amigas. Posteriormente paguei a taxa pré estabelecida, como todos os outros.
O anfitrião, o DONO DA CASA OFERTADA, obviamente teve acesso a tal lista. Meu dinheiro foi recebido como o de todos (sem qualquer problema) e a reunião ficou estipulada para uma sexta-feira, após o intervalo.
Chegou o dia. Todos estavam alegres e animados.
Já na casa do anfitrião, todos estavam reunidos (era uma classe grande) e eu fui pegar alguma coisa com ele. O dono da casa estava debruçado sobre um freezer talvez. Diante do meu pedido ele parou o que fazia, me olhou e disse:  PORQUE VOCÊ NÃO VAI EMBORA. NINGUÉM TE QUER AQUI.
Eu continuei parada diante dele sem dizer uma só palavra, então ele vociferou, bem próximo ao meu rosto:  VÁ EMBORA. NINGUÉM TE QUER AQUI. VOCÊ NÃO PERCEBE? VÁ EMBORA!!!!!!!!!!!!!
As pessoas pararam de conversar. Todos nos olhavam.  Alguém perguntou “Mas o que é que é isso?”
Eu continuei sem dizer A ou B, então ele me entregou o que fui buscar, eu voltei aos meus amigos e agi como se ABSOLUTAMENTE NADA tivesse acontecido.
EXISTEM PERGUNTAS, CUJAS RESPOSTAS SÃO MUITO MAIS CONSISTENTES QUANDO DADAS PELO SENHOR TEMPO.
Depois do silêncio que se seguiu pelo “espetáculo” todos voltamos a conversar, brincar, rir. Enfim, foi uma reunião muito agradável. Eu comi, bebi, dei boas gargalhadas com aqueles que, segundo o anfitrião, não me queriam lá e fui embora ao final da festa, de carona com outros alunos que “não me queriam lá”.
Notem:  Eu fiquei até o final da festa. Eu fiquei ATÉ O FINAL DO CURSO E ME FORMEI EM 2009. Euzinha. Uma mulher NEGRA, de 43 anos na época ME FORMEI.
O anfitrião poderia ter me rechaçado quando viu meu nome na lista e eu o teria respeitado. Ele poderia ter se recusado a receber MEU DINHEIRO  e eu o teria respeitado. Seus planos, porém, exigiam PLATÉIA. Era necessário que o show de repúdio fosse à vista de todos.
Quando se trava uma batalha psicológica com alguém é interessante levantar se o psicológico do outro é mais fraco que o seu. O imprudente não se dá a esse trabalho. Não perde esse tempo. Ele se contenta com as orientações advindas do pré conceito (ou dos pré conceituosos). Aquele pobre coitado não tinha QUALQUER AUTORIDADE SOBRE MIM. Ele não tinha qualquer autoridade sobre mim nem mesmo estando DENTRO DA PRÓPRIA CASA.
A bestialidade humana não é aparente, ACREDITEM.  Esse cidadão não tinha chifres, rabo ou cascos. Não empunhava tridente ou tinha olhos vermelhos. Não era rico nem “garotão”, pelo contrário, já fora casado e era pai. O que ele fez não se pode relegar aos arroubos da juventude ou de uma vivência abastada e sem limites. Por que ele fez isso? É um tanto quanto óbvio, mas não tem NENHUMA importância. Ele FEZ e é isso o que importa e, como eu não estava pedindo-lhe autorização para ABSOLUTAMENTE NADA, transformei  esse episódio em didática e conto essa minha breve experiência de vida a todos os meus alunos, a cada nova turma, para que eles saibam de uma vez por todas que a vergonha JAMAIS é do agredido, mas SEMPRE do agressor.
Os anos que se seguiram me trouxeram uma experiência ímpar. Conheci pessoas MARAVILHOSAS. Vivi momentos de indescritíveis alegrias. Fiz amizades ETERNAS. Fui enormemente ajudada e acredito ter ajudado um pouco. A flecha tão generosamente embebida em veneno que o tal aluno, “habilidosamente”, desferiu contra mim, hoje está em minhas mãos e eu a EXIBO com serenidade e riqueza de detalhes. É arma de tolos. Ineficaz para os dias de hoje, para o século atual. Mais expõe o etnofóbico do que fere de morte o seu objeto de escárnio.
Toda vivência encerra em si, ensinamentos. Não cometam O CRIME de sair da vida sem compartilhar experiências ricas com os que estão a sua volta. A sua RESILIÊNCIA pode inspirar e fortalecer muitas outras pessoas.  Transforme as experiências de vida em PATRIMÔNIO PESSOAL, SE ORGULHE DELE  e distribua-o, sem rancor, sem ressentimento e com SABEDORIA.
Beijos, beijos, beijos.

Cris.

Lilian Cristina Oliveira <crismaisquatro@yahoo.com.br

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Movimento Ginga de Limeira defende reconstrução do Comicin


Carta aberta à Comunidade Negra e à Sociedade Limeirense

Conclamamos a todos para que nos unamos pela reconstrução do COMICIN


Nós do Movimento de Ginga de Limeira vimos a público para defender uma maior participação da comunidade negra e da sociedade limeirense no Comicin – Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro.
O Comicin foi criado no início dos anos 90 como resultado da luta do Movimento Negro local e nacional. Esse movimento ressurgiu quase no final da ditadura militar, no final dos anos 70 e início dos anos 80, lutando junto com outros grupos pela participação social, política e econômica. O Movimento Negro contribuiu na luta por eleições diretas para Presidente da República, por melhores salários, contra a discriminação racial e por políticas públicas de igualdade social e racial.
Os conselhos municipais, estaduais, distritais e federais foram institucionalizados pela Constituição Federal tendo como pano de fundo a democracia participativa. Alguns conselhos foram criados para formulação e cogestão de políticas públicas. Outros, como o COMICIN, têm a função de formular, propor, ser parceiro e fiscalizar o poder público quanto à implementação de políticas públicas em favor do cidadão negro. Além disso, ele serve de ponte entre o poder público e a sociedade. Sua composição é híbrida: representantes da sociedade e representantes do poder público.
O Comicin é composto por 17 membros, sendo 11 da sociedade e 06 do poder público. Os membros do poder público são de livre indicação do chefe do executivo (Prefeito). Os membros da sociedade, por sua vez, são escolhidos pela Diretoria do Comicin.
A escolha dos membros da sociedade para compor o Comicin sempre se constituiu num problema em Limeira, pela sua falta de transparência e de participação da comunidade negra e da sociedade. Os primeiros conselheiros, nos anos 90, foram designados pelo prefeito da época, sem nenhuma consulta popular. As designações seguintes seguiram a mesma tradição antidemocrática: um pequeno grupo escolhia os conselheiros que teriam a incumbência de representar a comunidade negra e a sociedade.
Ora, essas práticas “monárquicas” contrariam o próprio conceito de conselho, que há séculos significa um grupo de pessoas que representa um grupo social mais amplo e que atua junto ao poder político em benefício dos representados e de toda a sociedade.
Por isso, nós do Movimento Ginga de Limeira, defendemos fervorosamente uma reconstrução do Comicin para que ele seja, de fato, democrático e promova a participação efetiva de todos aqueles que querem contribuir para a formulação, proposição e implementação de políticas públicas em favor do cidadão negro e de todos os segmentos étnicos que reivindicam igualdade etnicorracial.
Essa participação inclui a escolha dos conselheiros que representam a sociedade, que defendemos seja por eleições diretas, precedida por amplo debate de idéias e propostas.
Junte-se a nós nessa luta. Faça valer seu direito à participação.


Movimento Ginga de Limeira
Limeira, 09 de novembro de 2011