Suas atividades foram além do Brasil, tendo
ele abraçado uma perspectiva internacional, ao aderir ao movimento
pan-africanista.
Dentre suas obras, destacam-se: O genocídio do negro brasileiro, Quilombo, Quilombismo, Orixás, Thoth:
escriba dos deuses, Pensamento dos povos africanos e afrodescendentes, O griot
e as muralhas, O Brasil na mira do pan-africanismo, dentre outros.
Para dizer mais sobre essa grande referência da e para a luta antirracista, reproduziremos abaixo o texto da pesquisadora Natália
Neris da Silva Santos, a quem pedimos a devida licença. Ago, Nátália, ago!
Abdias do Nascimento. Um dos maiores líderes
do movimento negro no Brasil
Natália Neris da Silva Santos *
Abdias do Nascimento é um símbolo
da luta. Da luta contra a opressão, contra o preconceito, contra a submissão
cultural, econômica e social do negro no Brasil.
Nascido em 1914, em Franca,
interior de São Paulo, iniciou sua militância ainda bem jovem, em 1929, quando
sai de sua cidade e vai para a capital a fim de alistar-se.
Em São Paulo, Abdias passa a
sofrer de modo ainda mais intenso o racismo praticado por uma sociedade recém
saída de um regime escravocrata, caracterizada pela crença na superioridade do
trabalho do imigrante (graças a força das teorias racialistas naquele
contexto), que de maneira não tão implícita excluía o negro política, social e
psicologicamente.
Assim, nos anos 1930, contexto no
qual as necessidades da população negra eram negligenciadas tanto por
democratas quanto por republicanos, e dada à dificuldade de participação em
movimentos operários graças ao domínio do movimento por imigrantes, surge uma
organização com uma capacidade considerável de arregimentação, liderada e
composta somente por negros, a Frente Negra Brasileira (FNB).
Intentando uma efetiva
participação política, a FNB transforma-se em partido. Apesar do dispêndio de
esforço por parte dos seus integrantes, dentre eles Abdias do Nascimento (em
sua maioria jovem, de classe média) a FNB não elegeu um só de seus candidatos.
Tal fato pode ser tributado a restrição do direito ao voto aos alfabetizados (o
que excluía grande parte da população negra), bem como a situação de controle a
que estavam sujeitos ainda o voto da população da zona rural (majoritariamente
negra).
Outro fator que explica o
enfraquecimento político de tal partido fora seu relacionamento próximo com o
Integralismo. Essa orientação refletia as ansiedades das classes médias e média
baixa de São Paulo, bem como seu medo das poderosas pressões vindas de cima e
de baixo. Elas haviam sentido profundamente sua exclusão política por parte da
Republica dominada por fazendeiros e temiam também a feroz competição por
empregos, educação e mobilidade ascendente que enfrentavam da parte dos
imigrantes europeus e de seus filhos. Assim, muitos reagiam abraçando o
nacionalismo e a xenofobia estridentes do integralismo e rejeitando a
democracia liberal, desacreditada pela corrupção e pelas fraudes da República.
Essa aproximação a tal corrente
acabou por enfraquecer o partido, que teve seu fim em 1937 (juntamente com os
demais partidos da época) graças ao golpe empreendido por Getúlio Vargas.
Apesar do insucesso de tal
movimento, a atuação de Abdias na militância não finalizou-se nesse período,
pelo contrário, após a experiência na FNB, fica claro para Abdias que a
inserção da temática racial se fazia necessária no contexto brasileiro e que
enfrentaria barreiras das mais diversas ordens tanto pela dificuldade de
arregimentação da massa, quanto pela dificuldade de convencer os diversos
setores sociais da relevância da discussão da situação econômica, cultural e
social do negro.
Assim, prossegue sua militância
ao longo da década de 1940. Gradua-se em economia no Rio de Janeiro, e nesta
cidade conhece seis amigos, poetas. Forma-se então o grupo Santa Hermandad
Orquidea que sai pelo Brasil e pela América do Sul escrevendo poesias.
Ao chegar no Peru, Abdias
depara-se, numa peça de teatro, com um personagem que deveria ser negro,
interpretado por um ator branco, pintado de preto. Essa realidade, já percebida
também no Brasil, país cuja presença negra dispensava tais artifícios, o fez
idealizar um projeto, a fundação de uma companhia de teatro composta somente
por atores e atrizes negros, o Teatro Experimental do Negro (TEN).
Abdias chegou a retratar a
dificuldade de aceitação de sua idéia no nosso país. Muitos diziam que ele
tinha “perdido o juízo”, “que estava levantando um problema até então
inexistente no Brasil”.
No entanto, apesar das
dificuldades o TEN inicia suas atividades no início da década de 1940, e
através das peças, Abdias buscava tratar a temática do preconceito e das
relações raciais no Brasil, de uma maneira geral.
Na década de 1950 passa a dirigir
também o jornal “Quilombo” no qual buscou veicular notícias dos diversos
movimentos negros no Brasil, e nesse período, com intuito de articular esses
diversos grupos promove o I Congresso do Negro Brasileiro.
A atuação no Brasil através do
TEN finda-se ao final da década de 1960 graças a perseguição política, e assim,
Abdias permanecerá exilado até 1978. Passará grande parte desse período nos
Estados Unidos, local onde lecionará na área de cultura de arte. Além de
atuar como conferencista e professor visitante em diferentes universidades
neste país, Abdias fundou a cadeira de Culturas Africanas no Novo Mundo, no
Centro de Estudos Portorriquenhos da Universidade do Estado de Nova York em
Buffalo. Tal experiência proporciona a Abdias a oportunidade de atuar como
conferencista também em diversos países da América do Sul e África.
A aproximação com militantes
negros americanos, com líderes africanos enriquecerá sobremaneira a atuação de
Abdias, que diferentemente da maioria dos intelectuais que voltaram do exílio,
não encontra oportunidades na academia brasileira (não por sua falta de
preparo, dado que Abdias atuou intensamente fora do Brasil, mas por motivos
bastante claros, como sua insistência em tratar do problema do negro
brasileiro, por seu interesse em tratar a África, sua cultura, sua arte, sua
política de modo intenso, dentre tantos outros anseios visto com tanta
desconfiança pelos nossos intelectuais).
Assim, Abdias investirá na
carreira política. Sua voz, que se levantava desde a década de 1950 por
políticas reparatórias levanta-se ainda com mais vigor quando torna-se deputado
(1983-1987). Abdias nesse período prossegue sua luta em se fazer ouvir pela
direita (relutante e conservadora no que tange às questões sociais) e pela
esquerda (também relutante e conservadora no que tange ao reconhecimento a
especificidade da luta do negro, tentando sempre abarcá-la no conjunto dos
problemas sociais, relacionados ao pertencimento de classe).
Como senador, entre 1997 e 1999,
Abdias logrou êxito nesse sentido já que graças ao seu e de tantos outros
militantes das novas gerações, a temática racial começa a ser reconhecida como
objeto de política pública, principalmente na última década.
Analisando a rica trajetória de
vida de Abdias Nascimento ao longo de seus 97 anos, podemos afirmar que ele
pode ser tido mais do que como símbolo de uma luta, mas principalmente como
símbolo da resistência.
Militar por uma questão que é
encarada como um problema não prioritário (quando é de fato encarado como um
problema), durante toda a vida, seja como poeta, pintor, artista plástico,
ator, acadêmico ou político, ou seja, onde quer se esteja atuando é militar, de
fato, na sua forma mais plena e verdadeira.
A vida pode não ter sido
tão doce para Abdias, mas com certeza não será permeada de tanta “crueza” ou
não será tão amarga para as gerações de brancos e não-brancos que ainda virão,
graças a sua persistência, seu exemplo, sua luta ao longo do último século.
Natália Neris da
Silva Santos
Pesquisadora Júnior do Núcleo de Direito e
Democracia do CEBRAP
O texto de Natália
Neris da
Silva Santos foi publicado anteriormente no blog: http://blog-francamente.blogspot.com/2011/05/abdias-do-nascimento-um-dos-maiores.html
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